Sustentabilidade é, sem dúvida, a palavra que define a era em que vivemos. Diante da emergência climática, buscar soluções verdes é, mais do que nunca, questão de sobrevivência. Mas o que muitos ainda desconhecem é quanto a agropecuária nacional tem contribuído positivamente nesse processo.
O setor, que representa mais de um quarto do PIB do Brasil, além de ser um dos mais inovadores e bem-sucedidos do país, é também hoje um dos mais sustentáveis do planeta. Graças a investimentos em pesquisa, adoção de tecnologias, gestão responsável dos recursos naturais e busca permanente pela produção sob a premissa da conservação.
“O Brasil é líder em inovação. Não há outro país tropical com tanta tecnologia agrícola”, comenta Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte. Giolo destaca que o potencial do agronegócio nacional para as questões climáticas é ainda maior, indo além das técnicas de baixa emissão.
“A descarbonização diz respeito à diminuição das emissões, que é um ponto, mas também à remoção de CO2 da atmosfera. E o caminho mais fácil para isso é agricultura e pecuária bem-feitas. É o único setor capaz de fazer isso”, diz.
– Floresta plantada
– Recuperação de pastagens
– Plantio direto
– Fixação biológica de nitrogênio
– Manejo de dejetos animais
– Integração lavoura-pecuária-floresta
– Terminação intensiva
– Irrigação
Entre as inovações que se destacam nesse contexto, um exemplo é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a técnica que mais foi ampliada na última década: saltou de 2 milhões de hectares em 2010 para cerca de 17 milhões atualmente, segundo Giolo.
A estratégia trata da utilização de diferentes sistemas produtivos (agrícolas, pecuários e florestais) dentro de uma mesma área, beneficiando todas as atividades.
Esse sistema integrado otimiza a utilização da terra, elevando a produtividade, com melhor uso de insumos, diversificação da produção, aumento da fertilidade do solo, recuperação de áreas degradadas, entre outras vantagens. Tudo isso com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE) e, inclusive, retenção de carbono no componente florestal e no solo.
“Não se vê muito em outros países da forma que acontece aqui: uma agricultura mecanizada e produtiva, e com um componente florestal junto. É um diferencial da nossa agropecuária”, avalia Giolo.
Bons exemplos do emprego dessa e outras tecnologias não faltam Brasil afora. Algumas das propriedades rurais do país se tornaram, inclusive, ícones internacionais de respeito ao meio ambiente.
Uma delas é a Fazenda Roncador, em Querência (MT), que trabalha com um sistema produtivo que une pecuária regenerativa e agricultura de alta tecnologia.
Nos últimos 12 anos, foi implantado por lá um modelo próprio de integração lavoura-pecuária, com gado, pasto, milho e soja, criando um ecossistema com enormes benefícios produtivos, sociais e ambientais.
Nesse período, a produção de alimentos na propriedade cresceu 57 vezes e a de carne foi ampliada 32%, ao mesmo tempo que a fazenda deixou o papel de emissora de GEE para se tornar uma grande fixadora de carbono.
“Colhemos amostras do solo de diferentes pontos para descobrir quais lugares tinham maior fixação de CO2. E descobrimos que os melhores eram exatamente onde tínhamos implantado o sistema de integração”, conta Pelerson Penido Dalla Vecchia, diretor-presidente do Grupo Roncador.
Só na safra 2019/2020, que a fazenda produziu 153 mil toneladas de alimentos, foram capturadas mais de 61 mil toneladas de carbono, o suficiente para compensar as emissões de 35 mil carros durante um ano. Uma demonstração de que o manejo sustentável, quando bem-feito, é bom para o planeta e para os negócios.
“Estamos falando de um desafio da humanidade: a produção de alimento para uma população crescente e a questão do aquecimento global. Por isso, investimos muito em pesquisa, inovação e monitoramento constante, sempre procurando melhorar”, destaca o produtor.
Outro dado que Dalla Vecchia exibe orgulhoso é o índice de preservação florestal. A Fazenda Roncador é uma das maiores do país, com 147 mil hectares de área, dos quais 47% são de matas nativas e áreas de proteção permanente.
Há mais de uma década nenhuma árvore é derrubada na propriedade. Ao contrário, são plantadas anualmente 40 mil mudas de espécies nativas para seguir ampliando a cobertura florestal e manter a rica biodiversidade da região.
“Todo mundo pode reduzir a emissão de carbono. Mas o único lugar que pode fixar é na terra ou nas árvores. Por isso, nossa responsabilidade, como parte da solução para a questão climática, é muito grande. Responsabilidade, mas também oportunidade de interferir positivamente nisso tudo”, ressalta.
As áreas de floresta mantidas pelos produtores rurais, como acontece na Roncador, são outro grande diferencial do agro brasileiro nas questões climáticas. Cerca de 220 milhões de hectares das áreas preservadas do Brasil estão dentro de propriedades rurais, o equivalente a um quarto do território nacional.
Dados da Embrapa indicam que, em média, 48% da propriedade é destinada à conservação da vegetação nativa, fazendo do produtor brasileiro o único no mundo a utilizar apenas metade de suas terras, sendo a outra metade preservada.
Mais uma questão em que o Brasil tem evoluído muito nos últimos anos é o bem-estar animal (BEA), outro eixo importante da sustentabilidade. São visíveis os avanços em regulamentação, novos padrões de manejo e conscientização.
Uma das propriedades mais reconhecidas por suas boas práticas nessa área é a Fazenda Orvalho das Flores, em Barra do Garças (MT), que atua na criação de bezerros.
Sob o comando da pecuarista Carmen Perez, referência internacional no tema, a fazenda adota uma série de medidas importantes no cuidado dos animais, que incluem, por exemplo, a interação positiva entre homem e animal desde o nascimento, a abolição da marcação a fogo e o desmame amigável.
As ações, como ela explica, são baseadas nos cinco domínios de BEA: nutrição, saúde, comportamento, ambiente e estado mental. “E o meio ambiente está ligado a tudo isso, porque impacta diretamente o bem-estar dos animais”, diz Carmen.
Por isso, entre as melhorias do processo de produção está, por exemplo, o plantio de árvores para sombra em todos os pastos, trazendo conforto térmico ao rebanho. “Todo ano, a gente planta em torno de 500 mudas”, conta. E ainda há o uso de uma cerca elétrica específica para conter a predação dos bezerros por onças, sem machucá-las. “Essa é uma forma de preservação das onças e da ampliação dessas boas práticas.”
Para promover essa agropecuária sustentável e de baixo carbono em cada vez mais propriedades, parceria tem sido a palavra-chave. Diversos projetos de fomento e suporte aos produtores vêm dando escala a essas ações.
“Tecnologia nós temos. O que precisamos é dar capilaridade a elas para que possam ser implantadas por mais e mais produtores”, avalia José Carlos Pedreira de Freitas, coordenador da Liga do Araguaia, iniciativa voltada para o desenvolvimento sustentável da pecuária no médio Araguaia mato-grossense.
Em uma ação pioneira, nascida em 2015, o movimento organizado por produtores rurais da região atua exatamente nesse compartilhamento de conhecimento. Como foco, estão a adoção de práticas de intensificação sustentável na pecuária, atividades de capacitação, incentivo à conservação e restauração de áreas florestais e estímulo a práticas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
Para colocar isso em prática, a Liga do Araguaia elabora e implanta projetos em parceria com entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais. Seis projetos, dos quais dois já concluídos, estão em andamento hoje, abrangendo 11 municípios da região, 62 fazendas, 130 mil cabeças de gado e 150 mil hectares de pastagens.
Um deles é o Rebanho Araguaia, desenvolvido em parceria com a Friboi, que pertence à JBS, líder global em alimentos à base de proteína.
Segundo Pedreira, o projeto apoia um grupo de 32 fazendas, ao longo de três anos, em seus esforços para melhorar a gestão produtiva e de sustentabilidade, e prevê treinamento e acompanhamento de desempenho. Isso inclui o uso de modernas ferramentas de gerenciamento, de boas práticas e de monitoramento das emissões de GEE.
O coordenador da Liga lembra que, a exemplo de projetos como este, é preciso desconstruir uma percepção errônea que foi criada da pecuária, de que está associada ao desmatamento e, portanto, vai na contramão das questões climáticas.
“Ao contrário, nossa pecuária é parte da solução. Ano a ano, as fazendas vêm aumentando a produção e diminuindo a quantidade de pasto. É mais produtividade, sem necessidade de novas áreas, com os benefícios da redução da idade de abate dos animais. Isso se chama tecnologia. Tecnologia tropical para uma pecuária a pasto, com enormes ganhos ambientais”.
Em 2016, antes da economia de baixo carbono ser tão discutida, a Liga do Araguaia já trabalhava no monitoramento e medição das emissões e remoções de gases de efeito estufa. O projeto Carbono Araguaia, o primeiro da iniciativa, monitorou com metodologia reconhecida internacionalmente a redução de emissões de GEE em 24 fazendas, representando 79 mil hectares de pastagens, ao longo de cinco anos.
Emissões e remoções foram medidas anualmente e, à medida que as propriedades foram melhorando suas pastagens, reduzindo a idade de abate e aumentando sua produtividade, a curva de emissões foi caindo.
“Chegamos ao fim de cinco anos com uma redução de emissões de cerca de 282 mil toneladas de CO2e (CO2 equivalentes), das quais 114 mil de toneladas de CO2 foram verificadas e validadas por auditorias internacionais. Sem contar 43 mil hectares de pastos recuperados, ampliação do rebanho de 73,1 mil para 107 mil cabeças e redução da idade de abate de 28 para 24 meses”, conta Pedreira.
A JBS, que assumiu o compromisso de ser Net Zero até 2040, ainda apoia uma série de ações de desenvolvimento sustentável em toda a Amazônia Legal, por meio do Fundo JBS pela Amazônia.
A parceria técnica com a Embrapa, de aprimoramento científico e tecnológico em prol da integração lavoura-pecuária-floresta, é uma delas. “A iniciativa visa aumentar o valor agregado aos produtos da floresta, com inovações para alimentos, matérias-primas e insumos feitos a partir da biodiversidade amazônica”, explica Joanita Maestri Karoleski, presidente do Fundo.
A parceria faz parte das seis primeiras iniciativas selecionadas pela instituição para trabalhar diferentes atividades no bioma. Elas recebem, juntas, R$ 50 milhões do Fundo, cujos recursos são provenientes de doações da JBS e parceiros.
“O propósito é potencializar a bioeconomia na região, por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, gerando renda para as comunidades e preservando a floresta”, completa Joanita.
Podem apoiar o Fundo empresas e instituições brasileiras ou internacionais de qualquer segmento e setor, além de pessoas físicas que tenham interesse em ser parceiras de implantação e/ou investimento financeiro. “Não se faz nada sozinho na Amazônia. Portanto, as parcerias são fundamentais”, ressalta.
Joanita esclarece que o apoio pode ser a um projeto específico, em conjunto com o Fundo JBS, ou por meio de investimento direto no Fundo JBS pela Amazônia. Além disso, a organização está aberta a conversar com qualquer outra entidade que persiga o mesmo objetivo.
“Quanto mais organizações trabalhando pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia, em especial em parceria com as comunidades locais, melhor e mais legítimos serão os resultados”, diz.