Três em cada dez famílias estão endividadas, e a busca por crédito para pagar esses débitos acaba transformando o problema em uma bola de neve
Número de brasileiros endividados bateu recorde em março (Getty Images/boonchai wedmakawand)
Todos nós sentimos no bolso os efeitos da recessão econômica entre os anos de 2015 e 2016. Quem é que não se lembra dos empregos se dissolvendo, empresas fechando suas portas e os brasileiros apertando os cintos durante uma aterrissagem que não vivia já há algum tempo?
Foram dias difíceis para a nossa economia, que se enfraqueceu junto com uma longa crise política. Entretanto, quando já estávamos prontos para decolar novamente, fomos duramente golpeados pela pandemia da covid-19, que se alastrou e colocou em alerta todos os agentes econômicos.
Nesse período, o mercado de trabalho foi achatado, as empresas passaram a ter dificuldade em vendas — (somente os setores considerados essenciais não foram abalados) — e acabaram sendo obrigadas a reduzir suas atividades. É claro que, com essa situação, a economia iria colapsar, caindo, em termos reais (acima da inflação) 4,1% em 2020, em relação a 2019. Milhões de brasileiros se viram desempregados, inclusive os informais tiveram dificuldades em conseguir o mínimo de renda para a sobrevivência da família.
O auxílio emergencial, programa de transferência de renda do governo federal, atenuou em parte os problemas mais graves das famílias. Posso dizer que essa ajuda, inclusive, movimentou o mercado de construção civil, e após cobrir gastos com alimentação, até houve excedentes financeiros, o que levou, inclusive, a depósitos mais acentuados na caderneta de poupança, modalidade para poupar preferida dos brasileiros de menor renda.
Só que passado esse período, a situação começou a piorar novamente.
Se em algum momento a população brasileira poupou dinheiro durante a crise, com o desemprego batendo cada vez mais à porta, foi preciso sacar os recursos poupados para complementar a renda da família. O dinheiro sacado não foi suficiente para equilibrar o orçamento doméstico, a medida que a situação econômica não melhora na velocidade necessária, a consequência disso foi o crescimento do endividamento das famílias.
De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o número de brasileiros endividados bateu recorde em março: 77% das famílias fecharam o mês com alguma dívida, seja no cheque especial, empréstimo consignado, prestação do carro, carnê de loja e, principalmente, no cartão de crédito. É o maior percentual dos últimos 12 anos.
A busca por crédito, elevando ainda mais o endividamento das famílias, aumentou mesmo com a alta no custo dos empréstimos, posto que, para controlar a inflação, fenômeno mundial, os Bancos Centrais elevaram as taxas de juros. A consequência é: de cada dez famílias, três estão com contas em atraso. É o maior número desde janeiro de 2010.
A nova edição do relatório “Mercado de Crédito em Dados”, do Instituto Propague, aponta que, em números absolutos, o crédito para pessoa física saiu de cerca do saldo de R$ 2,2 trilhões em novembro de 2020 para R$ 2,6 trilhões em novembro de 2021 — alta de 19,7%.
Se por um lado emprestar/usar um recurso para uma emergência alivia, por outro pode acomodar. Vale destacar que os empréstimos têm um custo que sacrifica parte da renda das pessoas. Quando você não estabelece um prazo de saída, ou seja, um prazo de validade para pagar a totalidade do empréstimo, isso pode virar uma bola de neve. É aí que iniciam as dívidas sem fim.
Quantas pessoas você conhece que pegam um empréstimo hoje, não conseguem pagar e acabam contraindo um novo empréstimo para pagar o anterior e assim sucessivamente? Isso não é novidade e acontece bem mais do que imaginamos.
Além disso, segundo o Banco Central brasileiro o cartão de crédito tem sido o grande vilão dos endividados. A procura pelo rotativo dessa modalidade de crédito em 2021 foi a maior em dez anos, somando R$ 224,7 bilhões.
O período é crítico, mas a boa notícia é que, com o mundo pós-pandemia retomando ao seu “normal”, a economia deve voltar ao seu ritmo de crescimento. Isso não será rápido, evidentemente, mas será um processo que veremos gradualmente.
À medida que isso ocorre, as famílias vão precisar se conscientizar sobre suas finanças e sobre o uso correto do dinheiro. Os empréstimos deverão voltar a ser utilizados em uma emergência e não mais para complementar a renda, como vem ocorrendo agora. Em tempos de crise é essa humildade de reconhecer que aquilo que talvez fosse realidade no passado não é realidade atual.