A reforma tributária, a principal que o governo Lula pretende ver passar no Congresso este ano, tramitará em formato de Emenda Constitucional, um instrumento que bateu recorde de aprovação durante a administração de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022.
Enquanto os deputados aliados do ex-presidente aprovaram 29 PECs em três anos, a nova base de sustentação do petista terá que estar mais azeitada depois do carnaval, sobretudo com a distribuição de cargos do segundo escalão, para alcançar 308 votos na Câmara e 49 no Senado, o patamar mínimo para implementar mudanças constitucionais.
No ano passado, o último da gestão de Bolsonaro, o parlamento chancelou ao todo 14 emendas à Constituição. Até então, a maior quantidade havia sido verificada em 2014, durante a administração da então presidente Dilma Rousseff (PT), ocasião em que foram aprovados oito acréscimos ao texto constitucional. A série histórica revela que o governo Bolsonaro se consolidou como o período em que mais houve alterações, bem acima do verificado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (19 emendas) e do primeiro de Dilma (17).
Acréscimos à Constituição aprovados no ano passado, como a PEC Eleitoral, patrocinada pelo antigo governo para liberar gastos na véspera da eleição, contaram com forte apoio da base do ex-presidente, que também foi fundamental para aprovar a PEC para isentar de IPTU imóveis alugados para serem utilizados como templos, pauta também apoiado pelo ex-mandatário. No fim do ano, antes mesmo de assumir, Lula conseguiu negociar e aprovar a PEC da Transição, proposta pela sua equipe, com objetivo de autorizar o aumento de despesas em seu governo. Agora, o petista se empenha para conseguir novo aval do Parlamento na Reforma Tributária.
Embora o recorde de aprovação de PECs tenha sido sob Bolsonaro, a maioria delas foi proposta por parlamentares, e algumas já estavam em tramitação no Congresso havia anos. Formalmente, a Presidência da República só propôs duas PECs que foram promulgadas pelo Congresso nesses quatros anos: a da reforma da Previdência, principal medida do primeiro ano de governo; e a dos Precatórios.
De acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o número de emendas nos últimos anos é um resultado da pandemia de Covid-19.
“A maior parte das normas constitucionais aprovadas é relativa a matéria financeira e orçamentária. A pandemia desequilibrou o que vinha sendo executado de gasto público e exigiu alterações por parte da União para reorganizar o orçamento e enfrentar a crise” disse o senador.
Antes mesmo de tomar posse, Lula já havia deixado claro que considerava a alteração nas regras tributárias uma de suas prioridades para “corrigir injustiças centenárias”. Nos bastidores, alguns dos principais aliados do presidente admitem, porém, que há um longo caminho de articulação para que o governo conquiste o apoio de que precisa. Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição, o projeto é apreciado em dois turnos e necessita dos votos de três quintos dos integrantes das duas Casas para passar.
Propostas de Emendas à Constituição podem ser protocoladas pelo presidente da República, por deputados e senadores. No caso dos congressistas, porém, eles precisam do apoio de pelo menos um terço dos seus pares para apresentá-la. Portanto, nem todas as PECs são de interesse do chefe do Planalto. Além disso, muitas vezes, parlamentares da base são incumbidos por integrantes do Executivo a apresentar propostas de emendas ao texto constitucional que atendam ao governo da ocasião.
O alto número de emendas é explicado pelo detalhismo da Constituição brasileira, segundo especialistas. Oscar Vilhena, diretor do curso de Direito da FGV-SP, avalia que o caso do Brasil é semelhante ao de outros países que também fizeram suas Constituições no final do século XX.
“É difícil fazer Constituição sintética em um mundo contemporâneo. Era fácil em 1787, nos Estados Unidos, quando você tinha 60 fazendeiros brancos”, comparou Vilhena.