“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.” A escritora Clarice Lispector fala de si na linda frase, mas poderia muito bem falar do Brasil. Entramos em 2022 prontos para comemorar os 200 anos da Independência brasileira ainda em busca de uma identidade nacional. Um país, desde sua fundação, à procura de um pai, como nos lembraria o psicanalista Contardo Calligaris. O colonizador saiu da Europa, que lhe negara as possibilidades desejadas, para explorar uma terra nova, onde a mãe não estaria interditada pelo pai. Sem pecado ao sul do Equador, estaria aqui à procura do gozo infinito, sem restrições. Édipo, enfim, livre e realizado.
Também neste ano celebramos os 100 anos da Semana de Arte Moderna, com ligação estreita ao posterior Manifesto Antropofágico, que viria a ser resgatado tempos depois pelo Tropicalismo. Talvez representem as manifestações socioculturais mais emblemáticas como tentativas de caracterizar a identidade nacional. Macunaíma é nosso herói duplamente preguiçoso, índio que viaja a São Paulo para recuperar a pedra mágica agora em posse do gigante burguês Piaimã. Estamos mais identificados com o silvícola do que com o capitalista, associado ao colonizador explorador, que viria a negar a cidadania do colono.